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quinta-feira, 21 de junho de 2012


'Steve Jobs nunca me perdoou', diz executivo que afastou o criador da Apple do comando da empresa nos anos 80

Arrependido, americano diz que Jobs deveria ter sido escolhido CEO à época. 'Eu poderia ser um mentor. Teríamos continuado amigos'

Steve Jobs e John Sculley em 1984: um ano mais tarde, Sculley afastaria Jobs da empresa Steve Jobs e John Sculley em 1984: um ano mais tarde, Sculley afastaria Jobs da empresa (Ed Kashi/Latinstock)

Aos 73 anos, o executivo americano John Sculley alcançou êxitos em sua carreira. Tem em seu currículo, por exemplo, a condução da estratégia que transformou a Pepsi em uma real concorrente da toda-poderosa Coca-Cola, na década de 1970. Mas sua biografia profissional ficará para sempre marcada pela saída de Steve Jobs da Apple, em 1985. Não foi propriamente uma demissão, segundo o próprio Sculley e também a biografia de Jobs, escrita pelo jornalista americano Walter Isaacson e lançada no ano passado. O afastamento de Jobs do comando de projetos da companhia foi uma deliberação do conselho da Apple. Sculley, então CEO, tomou partido na questão contra Jobs – que, vale lembrar, fundara a Apple em 1976. Desprestigiado, o criador irascível saiu. Só voltou em 1996, quando Sculley já havia saltado da grande maçã. Passados 27 anos, Sculley admite arrependimento por não ter conduzido de outra maneira a crise em torno de Jobs: "Sempre me pergunto por que nunca o procurei para dizer: 'Essa é a sua companhia. Pegue ela de volta'", diz. Ao mesmo tempo, ele defende que a saída da Apple abriu para Jobs uma jornada de amadurecimento fundamental para os anos dourados que viriam: "Quando voltou à companhia, ele era mais maduro, mais velho e mais sábio e, assim, se transformou em um ótimo CEO." Sculley está em São Paulo, onde participa, nesta quinta-feira, da abertura do Info Trends, evento sobre cultura digital promovido pela Editora Abril, que publica VEJA. Na entrevista a seguir, ele fala sobre os conselhos que dará durante o evento aos novos empreendedores, comenta os novos negócios em que está envolvido e, é claro, faz um balanço sobre sua relação com Steve Jobs, morto em outubro.
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O senhor morou no Brasil na década de 1970. Como foi essa experiência? Isso foi em 1973, quando trabalhava na Pepsico. Vim ao país para cuidar da Elma Chips. Morei em São Paulo, mas viajava muito para Curitiba, Porto Alegre, Santa Catarina e Belém.
O que o senhor pretende dizer aos participantes do Info Trends? Fui convidado a falar sobre como nascem grandes ideias nas grandes companhias. Também vou contar um pouquinho sobre a minha experiência profissional na Pepsico e na Apple. Em resumo, a minha apresentação abordará métodos para desenvolver uma cultura de criatividade. Tipicamente, as grandes empresas têm dificuldade em aceitar o fracasso. Já as companhias inovadoras aceitam melhor as falhas e aprendem com elas. É por isso que no Vale do Silício o fracasso é visto como algo positivo. Ele faz parte do processo de aprendizado. 
Divulgação/Info Trends
Divulgação/Info Trends
John Sculley durante apresentação no Info Trends, nesta quinta-feira

É importante falhar, então, para alcançar o sucesso? Sim, é importante. As empresas também devem aprender a se adaptar a mudanças. Muitas pessoas acham que Charles Darwin (naturalista britânico, autor do clássico Origem das Espécies) falava sobre sobreviventes e derrotados, mas se você estudar as suas teorias perceberá que ele sempre destacou a capacidade de adaptação das espécies ao seu ambiente. Estamos falando sobre adaptação e não sobre força. O mesmo acontece com as empresas. Há 20 anos, a Kodak era uma companhia de 20 bilhões de dólares. Neste ano, uma empresa de pouco mais de 12 meses, chamada Instagram, foi vendida por 1 bilhão de dólares, enquanto a Kodak declarava falência. A questão é: por que uma empresa jovem resolveu um problema que uma gigante do setor de fotografia não conseguiu resolver? Isso ocorreu porque parte dos funcionários da multinacional era composta por pessoas muito inteligentes, que vieram de importantes universidades, mas que não tinham uma cultura apropriada para essa rápida mudança de paradigmas. Se você não se adapta em momentos de ruptura, nunca se renovará de maneira efetiva.


A Apple, que o senhor dirigiu entre 1983 e 1993, é hoje é uma das maiores empresas do mundo. É prova de que ela soube se adaptar a novas realidades? Com certeza. As pessoas sempre amaram música, mesmo antes do iPod. O que aconteceu foi que a companhia descobriu que havia uma nova maneira de escutar música. A tecnologia por trás do iPod veio de outras empresas, mas seu grande diferencial estava no design. Foi com Steve Jobs que descobri a importância do design. Se voltarmos para a década de 1980, veremos que a experiência do usuário foi a grande sacada do Macintosh. O computador era bonito. O Steve não era engenheiro, mas tinha bom gosto e entendeu o estilo. Ele era perfeccionista. 


O senhor fez um grande trabalho de marketing para a Pepsico e para a Apple. O que as duas companhias tinham em comum? A cada dez Coca-Colas vendidas nos Estados Unidos, uma Pepsi era comercializada. Fizemos pesquisas de mercado para entender como desenvolver um marca concorrente. A Coca-Cola descobriu uma forma nova de se apresentar aos consumidores e logo chegamos à conclusão de que seria necessário criar uma nova garrafa para a Pepsi, já que a da Coca era muito mais bonita. Ela se encaixava perfeitamente na mão. Era perfeita. Fizemos uma ação e enviamos a Pepsi para 15.000 residências. Criamos, então, a primeira garrafa grande de plástico com o primeiro código de barras. Se o líder de mercado está ganhando o jogo, então você tem de mudar as regras e começar uma nova partida. Não podíamos ser a Coca-Cola, porque ela já era boa demais: então, mudamos as regras e organizamos o Pespi Challenge. Em shoppings e em outros locais públicos, oferecíamos dois copos iguais, um com Coca-Cola e outro com Pepsi. Os consumidores eram encorajados a experimentar os dois produtos e apontar o preferido. Em seguida, representantes mostravam qual era o refrigerante escolhido. Tínhamos câmeras que registravam a expressão dos fãs de Coca-Cola descobrindo que haviam escolhido Pepsi. Em síntese, os americanos preferiam a Pepsi. Chamamos isso de marketing de experiência. Quando encontrei Steve Jobs pela primeira vez, na década de 1970, disse a ele que não vendíamos o produto, mas, sim, a experiência. E ele amou aquilo. Ele me apresentou o projeto do Macintosh, que ainda não estava sendo desenvolvido, e me contou sobre o seu conceito. Em 1984, quando lançamos o computador durante o Super Bowl, não mostramos o produto. Não falamos sobre tecnologia, mas focamos na experiência que aquela inovação podia proporcionar às pessoas. O comercial teve grande repercussão e foi considerado um dos melhores da década. Ou seja: apliquei o marketing de experiência nas duas situações.


O senhor disse que aprendeu a importância do design com Jobs. O que ensinou a ele? Acho que ensinei a ele o que era esse tal de "marketing de experiência".


O senhor leu a biografia escrita por Walter Isaacson? Não, mas pelo que ouvi por aí o livro foi muito bem feito. A realidade é que o Steve sempre foi brilhante. Eu posso reconhecer nas coisas que a Apple faz hoje todos os princípios que ele criou na época em que trabalhamos juntos, no início da década de 1980. O que as pessoas não sabem é que o brilhante CEO dos últimos anos aprendeu muito ao longo de toda a sua trajetória. A realidade é que o Macintosh fracassou e Steve ficou muito chateado. Ele começou a culpar a mim e a todos pelo ocorrido. Culpou-me, por exemplo, pelo preço elevado do equipamento, mas a verdade é que aquela tecnologia era muito poderosa para a época. A decisão de afastar Steve da liderança foi do conselho da Apple, que incluía Mike Markkula, um dos fundadores da empresa. Eles conversaram e, dez dias depois, disseram estar de acordo com o trabalho, mas não com Steve. Tentaram contê-lo e ele acabou pedindo demissão. O Steve nunca me perdoou por isso. Aquela era a sua companhia. A empresa já tinha feito a sua oferta pública de ações (IPO) e tinha compromissos com seus acionistas. Tínhamos uma amizade e confiávamos um no outro. Depois que "brigamos", nunca mais voltamos a nos encontrar. Steve nunca me perdoou mesmo.


Era difícil trabalhar com ele? O problema ali foi a mudança de cultura. Inicialmente, é claro, a Apple era uma empresa privada, em que o fundador tem autonomia para fazer coisas da sua maneira. Quando abriu o capital na bolsa, a companhia passou a ter de seguir regras e regulamentos. Steve criou suas próprias regras. Isso causou conflitos. Jobs aprendeu muito depois de deixar a Apple. Quando voltou à companhia, ele era mais maduro, mais velho e mais sábio e, assim, se transformou em um ótimo CEO. Eu acho que a Apple continuará tendo sucesso, porque ele criou um bom time. 


Tim Cook, atual CEO da Apple, será capaz de dar continuidade ao projeto de Jobs? Com certeza. Acho Cook brilhante também. Acredito em toda a equipe. Jonathan Ive, vice-presidente de design industrial, é um ótimo profissional.


Desde que saiu da Apple, o senhor falou muito pouco sobre aqueles episódios. Por quê? Durante 27 anos, preferi não falar sobre o assunto. Ironicamente, Steve era muito calado e não se abria com os outros executivos. Há poucas pessoas no mundo que o conheceram como eu. Mas nunca falei sobre isso porque sabia que ele era uma pessoa discreta. Eu respeitava essa característica dele.


Se o senhor pudesse voltar no passado, o que mudaria nessa relação com Jobs? Com certeza, muitas coisas. Eu acho que o conselho da Apple deveria ter escolhido Steve como CEO. Eles entrevistaram muitas pessoas antes de me escolher. Eu poderia ter sido contratado para dar a Steve todo apoio necessário na Apple, para ser um mentor. Assim, provavelmente as coisas teriam acontecido de outra forma. Eu e Jobs teríamos continuado nossa amizade. Eu era o CEO de uma empresa aberta e tinha de seguir regras, mas o Steve queria seguir as suas próprias regras. Sempre me pergunto por que nunca o procurei para dizer: "Essa é a sua companhia. Pegue ela de volta." Era claro que ele era excepcional em termos de design de produtos e poderia ter sido um bom líder. Mas, algumas vezes, parece que ficamos cegos. Talvez um mentor pudesse ter me ajudado a enxergar isso na época. 


Desde 1995, o senhor tem atuado como investidor. Em que tipo de empresas tem apostado suas fichas? Tenho me interessado pelo setor de saúde. Esse mercado movimenta 2,6 trilhões de dólares nos Estados Unidos e é muito, muito maior do que o setor de tecnologia da informação. Ninguém está feliz com o seu plano de saúde, e encontrei nesse nicho muitas oportunidades. Tenho apostado em algumas empresas, como o MD Life e o Careverge. Estou investindo nessas companhias e atuo como mentor, como acionista. Faço parte do conselho, mas não sou o CEO de nenhuma delas. Há muitas pessoas da nova geração criando soluções como Pinterest, Instagram, LinkedIn e Foursquare, mas eu não posso ajudá-los. Eu sou da velha geração e não uso esses produtos. Não sou usuário do Twitter e entrei no Facebook há seis meses. Por outro lado, estou profundamente envolvido com o setor da saúde. Durante os últimos anos, estudei as políticas, os protocolos e a complexidade das empresas que atuam nesse mercado. Nessa área, sei que posso ajudar, porque entendo como integrar novas tecnologias a esses sistemas.


O que o senhor acha do Facebook? O serviço e o seu CEO/fundador (Mark Zuckerberg) são brilhantes. Eu acho muito importante mantê-lo na liderança. O Facebook tem grandes desafios pela frente, principalmente na área móvel, porque eles precisam descobrir como monetizar nessa área. Todo mundo está caminhando para essa direção, e o Facebook ainda não aparece bem nesse segmento.

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